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Quem são essas personagens?

Tieta, Ruth e Raquel, Flora e Donatela, Odete Roitman, Bia Falcão, Nice, Bibi, Jeiza e Ritinha. Quem acompanha assiduamente as programações da teledramaturgia brasileira ou apenas lê as inúmeras postagens em redes sociais sobre o assunto deve reconhecer com facilidade esses nomes. A telenovela, no país, tem sua marca registrada.

 

Comentadas, debatidas, odiadas, lembradas, ousadas, influenciadoras e influenciadas,  fracassadas, inovadoras, marcantes. Muito se pode falar sobre esse produto, que tem na TV Globo seu expoente e sua referência mais conhecida e premiada, e, dentre essas classificações, uma é a mais controversa: a telenovela brasileira mostra quem o Brasil realmente é.

Ao observar as personagens citadas no início deste texto é possível perceber dois aspectos comuns a elas, que podem, por um lado, confirmar essa tese, e, por outro, colocá-la em xeque. Primeiro: todas são mulheres e estão no núcleo protagonista das telenovelas.

De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira em 2016 já tinha ultrapassado a casa dos 200 milhões de habitantes. Desses, existem cerca de 3 milhões a mais de mulheres em relação aos homens.

Dessa forma, é compreensível pensar que boa parte das personagens mais lembradas da teledramaturgia brasileira seja de mulheres. E, claro, que elas estejam nos núcleos protagonistas, seja como as vilãs ou as mocinhas (apesar desses dois termos estarem bem diluídos entre si nas tramas mais recentes da TV Globo, que traz personagens cada vez mais complexos e ambíguos).

Por outro lado, o IBGE também contabilizou quantas pessoas se autodeclararam pretas ou pardas, chegando ao número de quase 54%. E é aí que está a principal semelhança entre as personagens citadas: todas são mulheres brancas*. Não é difícil lembrar, se você pensar um pouquinho, que esse padrão se repete desde o início das telenovelas no país, há mais de 60 anos. Complicado mesmo é recordar uma personagem negra de destaque o suficiente para marcar gerações.

Então, seria mesmo verdade que o Brasil, com as suas quase infinitas manifestações culturais e, por consequência, seus grupos sociais, aparece de forma equiparada dentro das ficções televisivas?

“A novela fala da nação”, diz a pesquisadora Veneza Ronsini. “Ela é para o Brasil o que Hollywood é para os EUA. A gente se vê de alguma maneira. É importante que nós, brasileiros, possamos nos ver”, afirma a professora no Departamento de Ciências da Comunicação e no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Muito se tem comentado que a novela, especialmente da TV Globo, vem perdendo em audiência e já não é tão importante quanto antes. De vez em quando, uma sentença desse tipo surge seja em comentários dos internautas nos posts que revelam cenas e antecipam novidades sobre a próxima trama das nove, ou em um texto ferrenho de um crítico de televisão. Mas, logo em seguida, a maior parte desse público (o popular e o, digamos, intelectual) se rende à nova trama.

Um caso recente é o de A Força do Querer (de onde vêm Bibi, Jeiza e Ritinha), novela das 21h que se encerrou no fim de outubro de 2017. Inúmeras foram as matérias e reportagens analíticas sobre como a trama de Glória Perez, que tem no currículo folhetins como O Clone (2001) e Caminho das Índias (2009), tem quebrado tabus sociais e marcas numéricas.

Até setembro, a média da audiência que assiste a produção se manteve em 35 pontos. “A Força do Querer recupera audiência das 21h e se torna um fenômeno” é o título de uma matéria do site do Jornal O Globo, publicada dia 7 de setembro, pouco mais de um mês antes do fim da novela. E uma das justificativas para tal feito? O periódico dava a resposta logo depois: “Novela de Glória Perez retrata diferentes temas da atualidade”.

“A audiência não caiu porque gera polêmica e isso mantém aceso o debate. Com certeza, há um enorme segmento que está rejeitando. Rejeitando e vendo para criticar, atacar. Mas o que a autora quer não é apenas gerar polêmica. Eu acho que ela realmente gostaria de combater o preconceito”, considera Ronsini. Ela comenta sobre um dos temas-chave da trama e bastante atual, a transexualidade de uma das personagens principais. Racismo, no entanto, tão contemporâneo quanto, não aparece nem como destaque ou de forma secundária.

 

Se contabilizados, A Força do Querer possui apenas cinco personagens negros que parecem com mais frequência, em um universo de mais de 40 nomes. Um deles, Leila, interpretada por Lucy Ramos, saiu da trama após sua personagem ter uma relevância mínima dentro da história. A atriz chegou a se manifestar sobre o caso, afirmando que “queria que a Leila tivesse ficado mais tempo na novela. Poderia ter saído do lugar comum”, em entrevista ao site Purepeople.

Por outro lado, dois personagens negros que têm mais destaque na dramaturgia dividem os papeis de um traficante, líder do morro (Sabiá, interpretado por Jonathan Azevedo) e a amiga da protagonista, mas que não tem nenhum outro vínculo fraternal ou familiar na trama, nem história própria (Marilda, levada às telas pela atriz Dandara Mariana).

“Ela [Leila] estava ali, no núcleo dos personagens principais, com uma profissão boa, sofisticada, influente”, afirmou Lucy Ramos para a Purepeople sobre sua personagem, uma arquiteta. “As meninas negras estavam gostando muito de se ver nesta posição”.

 

Mas essa forma da atriz enxergar seu espaço (e dos negros) dentro da teledramaturgia, assim como a abordagem de temas cotidianos e convergentes ao que é discutido na sociedade não vieram com as primeiras cenas televisionadas. A história começa bem antes, tal qual um enredo de novela.

*Juliana Paes, intérprete da personagem Bibi, em A Força do Querer (2017), algumas vezes não é lida como mulher branca. No entanto, a atriz não é considerada uma mulher negra pela mídia, não foram encontrados papeis em novelas nas quais as personagens interpretadas pela atriz sofressem racismo, nem declarações da artista sobre esse assunto. Por isso, neste trabalho, Juliana não foi considerada uma mulher negra.

Isis Valverde como Ritinha, em A Força do Querer (2017)
Foto: Fabio Rocha/Rede Globo/Divulgação

Lucy Ramos como Leila, em A Força do Querer (2017) Foto: TV Globo/GShow

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