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As primeiras cenas

De uma maneira geral, as telenovelas são derivadas dos folhetins franceses do século XIX (Feuilleton), quando histórias de romances eram contadas por partes, em capítulos divididos diária ou semanalmente nos jornais da época. Até chegarem ao Brasil, na década de 1950, o autor José Marques de Melo conta em seu livro, As Telenovelas da Globo, que essas produções desembarcaram antes em solos vizinhos, em países como Argentina, Cuba e México.

 

“Nesse tempo, imperavam nas emissoras radiofônicas as populares radionovelas, originalmente importadas dos autores cubanos e mexicanos, mas logo produzidas por escritores brasileiros. Coube a esses dramaturgos populares a tarefa de criar as primeiras telenovelas brasileiras, seja adaptando as histórias que haviam sido sucesso no rádio, seja reelaborando textos provenientes dos melodramas latino-americanos ou dos folhetins europeus”, relata o autor. No livro, ele faz um apanhado histórico desde a inauguração da TV Globo, em abril de 1965, até as mecânicas das produções televisivas realizadas pela emissora e como foi conquistada a popularidade até os dias atuais.

A primeira telenovela brasileira que se tem registro é Sua Vida Me Pertence, com estreia em 21 de dezembro de 1951, na extinta TV Tupi. Era escrita, dirigida e protagonizada pelo ator Walter Forster, também responsável pelo primeiro beijo da televisão, momento dividido com a atriz Vida Alves. A produção inédita possuía apenas 15 capítulos, transmitidos ao vivo duas vezes na semana por pouco mais de um mês.

A TV Tupi, aliás, foi pioneira não somente na exibição da telenovela, como na transmissão da que é considerada a novela de maior sucesso da década de 60 e uma das mais lembradas até os dias de hoje, tamanho impacto e mobilização que causou na época em que foi lançada. O Direito de Nascer (1964) trazia uma história derivada da rádio: uma criança educada pela empregada doméstica, após a mãe biológica ser privada da presença do filho pelo próprio pai e avô do bebê. Como conta o cineasta Joel Zito de Araújo, em seu livro A Negação do Brasil, cerca de um milhão e meio de pessoas assistiram à cena em que Mamãe Dolores (interpretada pela atriz negra Isaura Bruno), a empregada, conta a verdade sobre o neto ao avô do menino, número alarmante para o período.

De acordo com José Marques de Melo, a inspiração veio da radionovela escrita por um autor cubano chamado Felix Caignet. O escritor do livro As Telenovelas da Globo também conta que foi a partir da repercussão de O Direito de Nascer que emissoras televisivas como a própria TV Tupi e a Record, as mais expoentes da época, começaram a perceber que o investimento no gênero fictício valia a pena.

“Basicamente, elas se tornaram teledramas com duração superior às produções argentinas e mexicanas, geralmente estruturadas para quatro ou seis semanas, passando a ocupar nove a dez meses”, relata, acrescentando que elas “também diferiram das produções norte-americanas, onde cada história pode perdurar durante vinte anos”.

 

É aí que estão as principais diferenças entre telenovelas e seriados, por exemplo. José Marques identifica os seriados como “sequências de histórias independentes, vividas pelos mesmos protagonistas”.  De acordo com o doutor em Comunicação e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Diego Gouveia, novelas podem ser definidas “como sendo uma história de ficção, ainda que muitas vezes baseada em histórias reais, desenvolvida para televisão. É dividida em episódios ou capítulos. É também um dos gêneros televisivos mais importantes e vistos pelo público”, afirma.

 

Gouveia explica que, apesar das mudanças temporais, estruturais e de abordagens pelas quais sofreu o produtos, a essência permaneceu e frutificou. “A principal característica é o fato de ser uma narrativa seriada televisiva que abrange um longo período de exibição. A marca da serialidade permanece, o que tem mudado é o período de exibição. Hoje, na Rede Globo, por exemplo, existem telenovelas sendo exibidas em menos tempo, como as da faixa das 23h”, explica.

 

E é na TV Globo que as novelas vão encontrar seu refúgio mais duradouro e bem sucedido. A emissora foi inaugurada em 26 de abril de 1965 e trouxe sua primeira novela, Ilusões Perdidas, dois dias antes do início dos trabalhos, dia 24 do mesmo mês, no horário das 21h.

 

Nesses primeiros passos de teledramaturgia, muitas foram as curiosidades e polêmicas enfrentadas pela TV Globo, que trazia na linha de frente dos elencos nomes nascidos no teatro, como Nathalia Timberg, Marília Pêra e Ruth de Souza.

 

O aspecto mais característico das telenovelas do período eram os temas românticos, de amores impossíveis ou desencontros entre casais. Muitas vezes, a história se passava em locais distantes da realidade do Brasil, como a novela A Cabana do Pai Tomás (TV Globo, 1969), ambientada nos Estados Unidos do século XIX.

 

No entanto, a mudança de abordagem, trazendo a história para perto da população brasileira, e, dentro disso, a conscientização sobre a representatividade de diferentes grupos que compõem a sociedade do país não foi tomada em um arroubo.

Isaura Bruno e Amilton Fernandes emocionaram o público com os personagens Albertinho Limonta e Mamãe Dolores, em O Direito de Nascer  (1964) Foto: Reprodução/Youtube

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