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Cadê os negros?

Em números, da novela Anjo de Mim, que começou a ser exibida em setembro de 1996, a Haja Coração, que foi ao ar de maio a novembro de 2016, foram contabilizados 91 personagens que, na pesquisa realizada para esta reportagem, estão classificados como “empregados de família”. São babás, copeiras, faxineiras, motoristas, guarda-costas, seguranças, cozinheiras, capangas, empregados de fazenda e, até, os chamados “faz-tudo”, em descrição literal retirada da sinopse dos personagens do site Memória Globo.

 

Por outro lado, as categorias identificadas como “empregado de alto escalão”, que inclui presidentes, vice-presidente, altos executivos, monitora de empresa, entre outros, e a de “profissões que necessitam de faculdade”, no qual estão jornalistas, engenheiros, médicos e professores, somadas, apresentam 59 personagens.

 

Para Joel Zito, ainda há uma dificuldade de colocar personagens negros em posições de pessoas de classe média, como se esse grupo não existisse no Brasil. Segundo o pesquisador, a existência de pessoas negras famosas e influentes em diversas áreas, como a música e a política, ainda não foi suficiente para alterar essa realidade.

 

“De um modo geral, acho que a maior parte dos papéis são ainda no lugar de subalternidade. Num país onde tivemos um ministro da suprema corte e outros ‘n’ ministros negros durante o governo Lula, como Gilberto Gil e Marina Silva. Na telenovela, colocar um personagem negro pertencente a uma família de classe média é como se fosse algo absurdo”, observa.

 

Dentre os personagens analisados pela pesquisa, dois exemplos chamam a atenção: o primeiro dele é o das empregadas domésticas que são fiéis e amigas da família onde trabalham. O segundo é o das protagonistas. De acordo com o estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça - 1995 a 2015, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com a ONU Mulheres, 18% das mulheres negras no país são empregadas domésticas, enquanto essa ocupação compõe a renda de apenas 10% das mulheres brancas.


Em contraposição ao fato de que são as que mais trabalham como domésticas, se forem analisados o acesso ao direito de trabalhar com carteira assinada, as negras saem perdendo: são 29,3% delas contra 32,5% das mulheres brancas. Já entre homens e mulheres, a diferença na participação nesse tipo de trabalho é gritante. Em 1995, apenas 0,8% deles atuavam como empregados domésticos, número que cresceu irrisórios 0,2% em 2015.

Nas novelas, a situação não é muito diferente. De acordo com o levantamento realizado para esta reportagem, das 90 personagens apontadas como componentes da categoria “empregado de família”, 58 são interpretadas por mulheres. Dentro desse número, a maioria tem, na descrição dada à personagem no site Memória Globo, a classificação de empregadas, babás, cozinheiras, arrumadeiras e outras.

 

No entanto, outro dado chama ainda mais atenção em relação à quantidade de personagens classificadas como empregadas de família: a quantidade de mulheres negras nessa posição que foram protagonistas dos folhetins. Apenas duas, em 20 anos. Camila Pitanga interpretou a faxineira Rose em Cama de Gato, mas ela foi classificada em "empregada de estabelecimento", já que trabalhava na empresa do protagonista Gustavo (Marcos Palmeira).

 

A primeira foi Maria da Penha, que apareceu na novela Cheias de Charme, exibida em 2012 na TV Globo. Interpretada pela atriz Taís Araújo (a Xica da Silva), ela dividia o protagonismo com outras duas personagens brancas. Todas eram empregadas domésticas.

 

Segundo o colunista Nilson Xavier, no blog que leva o seu nome, a média de audiência da novela ficou em 30 pontos, o que é visto como esperado para o horário das 19h, quando o folhetim ficou no ar. No entanto, a maior relevância mesmo foi o impacto causado no público, principalmente por causa da interatividade com a internet, no lançamento do clipe das Empreguetes, grupo musical das empregadas domésticas, antes nessa plataforma do que na televisão, como o próprio colunista cita em seu artigo intitulado “Cheias de Charme: repercussão foi maior que a audiência”.

 

A segunda e mais recente é Isabel, da novela Lado a Lado (2012), levada às telas pela atriz Camila Pitanga. Ela fazia par com o barbeiro e capoeirista Zé Maria, interpretado por Lázaro Ramos. Apesar de não ter tido expressividade na audiência (de acordo com o colunista Nilson Xavier, a novela obteve apenas 18 pontos na média da audiência em São Paulo), a relevância veio ao trazer a história do Brasil pós-escravidão, mais ainda, um casal negro protagonizando o folhetim das 18h da TV Globo, situação que só aconteceu uma vez nos 20 anos de novelas analisados.

 

Além disso, mesmo o negro aparecendo como protagonistas nestes dois exemplos, em nenhum folhetim transmitido no período entre 1996 a 2016 na TV Globo foi possível encontrar uma novela que trouxesse somente negros como protagonistas, independentemente da posição social ou do trabalho; quando estavam na linha de frente da trama, o protagonismo era dividido com pessoas brancas. A inexistência de negros em papeis principais, no entanto, pode ser encontrada na maioria das novelas.

Camila Pitanga e Lázaro Ramos em Lado a Lado (2012).
Foto: TV Globo/GShow
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