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Mulheres negras
no cinema brasileiro

Em 2015, a publicitária Josefa Ferreira produziu seu trabalho de conclusão de curso com o tema “Mulheres Negras no Cinema”, no qual analisou os dez filmes nacionais com maiores bilheterias no ano anterior. De todos, segundo o levantamento realiza por ela, nenhum apresentava mulheres negras como protagonistas. Nos filmes em que elas apareciam no elenco, serviam apenas de apoio para outras personagens - essas, brancas.

 

A maior quantidade de mulheres negras, no entanto, contado protagonistas, elenco de apoio e figurantes, estava no filme Alemão, da Globo Filmes, que traz justamente uma história de violência. Na trama, policiais infiltrados no Morro do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro, são identificados pelos traficantes do local. Foram doze personagens negros, dez somente como figurantes. Se forem contabilizados homens, apenas um dos cinco protagonistas era negro.

 

Como conta na monografia, Josefa percebeu que a frequência de mulheres negras no filme ajudam na composição do drama. No entanto, apenas duas delas “atuam de forma expressiva e marcante”. “A frequência marcante dos negros em geral no filme Alemão os quais observamos a temática que envolvem tráficos de drogas, violência, pobreza, medo e exclusão social reforçam os estereótipos de desigualdade social e falta de oportunidades”, diz no trabalho.

 

Em entrevista concedida para esta reportagem, a publicitária afirma que observa outros estereótipos no cinema, que se assemelham muito ao que é visto nas telenovelas nacionais. “Os maiores estereótipos que eu enxergo no cinema brasileiro é mesmo o dos personagens negros servis, empregada doméstica, motorista”, conta.

 

O Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), realizou, em 2014, uma pesquisa na qual investiga a representação de pessoas negras à frente e por trás das câmeras em vinte filmes do cinema brasileiro, a partir do ano de 2002. Segundo os resultados da pesquisa intitulada Raça e Gênero no Cinema Brasileiro, no elenco principal apenas 20% dos personagens eram negros (mulheres contabilizavam somente 5% de protagonismo). Além disso, a pesquisa aponta que em 2002, 2008 e 2013 nenhum dos filmes analisados foi protagonizado por uma mulher negra.

Regina Casé como Val em Que Horas Ela Volta? (2015)

O cineasta Joel Zito Araújo chama a atenção para a falta de negros no cinema até mesmo em papeis que, na vida real, é onde eles são de fato maioria. Como exemplo, ele cita o filme Que horas ela volta? (2015), da diretora Anna Muylaert.

 

Protagonizado por uma empregada doméstica, incomoda o cineasta o fato de que a personagem não foi interpretada por uma mulher negra, já que, no Brasil, essa é a profissão de 18% das mulheres negras (de acordo com estudo do Ipea, em 2015). Então, por que não ter uma atriz negra para o papel?

 

“A Anna Muylaert tem dificuldade de representação de empregadas negras”, diz Joel Zito. “Parece que, no universo das empregadas no Brasil, os negros são minoria”, analisa o pesquisador. Ele explica sua opinião argumentando que, talvez, a diretora não quisesse lidar com a questão racial que certamente seria levantada caso uma atriz negra interpretasse a protagonista Val. “Então ela acaba escolhendo a Regina Casé, que não é branca, que tem um tipo mais nordestino, uma mistura de negro com índio”, observa. “Mas mesmo assim, o personagem protagonista da Regina Casé está na chave das relações de classe, não nas relações de raça. Como se, inclusive, o fato de ter escolhido a Regina Casé para interpretar a empregada doméstica não tivesse a ver com a sua composição racial. Então eu acho que ainda perdura no cinema brasileiro uma dificuldade dos diretores e autores de lidar com isso”, finaliza.

 

Seguindo o questionamento levantado por Joel Zito, a publicitária Josefa Ferreira acredita que a televisão passou a frente do cinema quando o assunto é representação das pessoas negras. “Novela entra na sua casa sem pedir licença. Você liga a televisão e ela está lá. Cinema não, você precisa pagar, as pessoas precisam conhecer o filme para terem interesse em ver e ainda condições de pagar para ver. Não é para todo mundo a toda hora. Por isso, acho que a novela está, sim, à frente do cinema na questão da representação, de mostrar diferentes personagens negros”, afirma.

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